quinta-feira, 11 de dezembro de 2003

SOBRE O VESTIBULAR
Agora escrevo com o dedo anular: meus dois dedos comuns ao teclado estão amputados por um "band-aid".

Ontem me preparava para sair de casa. Rumo: PUCRS. Vestibular: Desconhecido.

Pego meu contra-baixo nas mãos, guardo-o com todo o cuidado. As fechaduras já quase estão enferrujadas, mas hermeticamente se encontram. Fecho o case com precisão. No córrego não há corrimão, mesmo assim desço as escadas. Corro, corro, corro.

Aos tropeços, ainda com o case e minha bolsa à tira-colo, uma porta pela frente: troco-o-case-de-mão-abro-a-porta, troco-novamente-o-case-de-mão. Firmeza na mão. Não na unha: enfraquecida por não-sei-o-quê, passados meses sem uma única demonstração de fragilidade: *Plac* - quebra-se uma unha. No dedo indicador, o fura-bolos, esmalte cor-de-rosa. Uma unha quebrada, case do baixo na mão. Unha quebrada, case do baixo na mão. Estou com a unha quebrada, mas continuo correndo. É vestibular, não hei de importar-me com a unha do dedo indicador quebrada.

- Um Band-aid, por favor?

Aquela garota de blusa laranja aspirante ao curso de Farmacologia foi realmente muito gentil. Enrubesceu-se com meu pedido, o band-aid que encontrou na bolsa, até agora está no meu dedo.

- Sempre carrego comigo uma mini-farmácia.

Sobre a grama, escondida do sol por uma arvore, agradeço-a sorrindo. Há aqui umas 100 pessoas que, como eu, esperam por saber o que há por trás daquelas portas fechadas. Somente elas nos impedem de realizar as provas de Redação e Português do concurso Vestibular de Verão da PUCRS. Estou sedenta por escrever. Trata-se do primeiro dia de provas - Porto Alegre, 10 de dezembro de 2003 - fumo um cigarro.

- Preencham à tinta o nome de vocês na grade de respostas. As elipses devem ser marcadas à lápis. Vocês não devem identificar-se na folha de rascunho nem na de redação.

O "Band-Aid" no dedo indicador não me privou de escrever. Recebo a prova e quedo toda a minha atenção sobre ela. Uso o lápis emprestado por uma colega de Grego para escrever "Comunicare", no princípio da redação. Tenho uma bala Cloret's, uma garrafa d'água e uma piranha para prender o cabelo sobre classe. Em caso de sede: àgua. Caso queira um cigarro: Cloret's. Calor ou querendo mexer as mãos: Piranha.

Com tantos textos na prova de português, parece que todas as vontades vêm ao mesmo tempo: está calor, quero fumar, estou com sede e preciso mexer com as mãos. Sem maiores questionamentos, ergo a garrafa plástica de Água Mineral Charrua - com gás. *splash*.

- Um arraso! - com prova encharcada de àgua gaseificada e quente, desisto de beber da água.

Finda as provas, dirijo-me de carro ao Shopping Bourbon Country. Estaciono, nas escadas rolantes, um objetivo fixo: Trocar o tomo II do Dicionário Mítico Etimológico - de Junito Brandão, pelo Dicionário de Símbolos, de Jean Chevalier e Allain Gheerbrant. Concluída a troca, volto ao carro.

Por perto da PUC o trânsito está impossível. Sinaleira fechada, radinho na mão (o som do carro foi roubado), confiro o gabarito. Ipanema FM anuncia. Bom resultado: 12/15. Na redação usei expressões como "Idiomática" e "Comunicare". Logo, acho que foi um bom dia.

- Ah, que bom, elas estão descontroladas! Ah, que bom, elas estão descontroladas!

Requebrando no carro, ouvindo um desconhecido Rap, "essa mina é uma fubanga" - ligo para a casa do amigo que havia marcado de gravar um som. Não o encontro. Tomo ma cerveja no Ritrovo, como uma torrada. Cidade baixa é tão agradável. Ainda estou dentro do vestibular.

- Ah, que bom, elas estão descontroladas! Ah, que bom, elas estão descontroladas!

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